terça-feira, 4 de maio de 2010

Matança dos Inocentes

A MATANÇA DOS INOCENTES

LIMITES DO TEXTO

A perícope estudada nesta exegese é o texto que trata da ordem de Herodes, o Grande, para que se matassem todos os meninos de Belém e seus arredores, de dois anos para baixo, baseada no texto de Mateus 2.16-18. Não há texto equivalente em Marcos e Lucas.

A matança dos inocentes, a volta do Egito, a permanência em Nazaré apresentam um Jesus que vive as mesmas experiências do seu povo. Ele não só experimenta a solidão do exílio no Egito, mas também a libertação, o êxodo (“ do Egito chamei o meu filho!”, diz o profeta Oséias – Os. 11.1) , e é solidário com a sua gente na perseguição dos poderosos - a rejeição de Jesus arrasta consigo o fim de um povo destruído em seus recém-nascidos.

Vejamos o relato de Mateus 2.16:

Então Herodes, vendo que fora iludido pelos magos, irou-se grandemente e mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo que havia em Belém, e em todos os seus arredores, segundo o tempo que com precisão inquirira dos magos”.

A perícope tem seu início no versículos 13 do capítulo 2 de Mateus, em que aparece um anjo a José, em sonho e lhe manda que tome sua família e vá para o Egito, e que lá permaneça até outro aviso, pois Herodes irá procurar Jesus para matá-lo: Mt 2.13 “ E, havendo eles se retirado, eis que um anjo do Senhor apareceu a José em sonho, dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e ali fica até que eu te fale; porque Herodes há de procurar o menino para o matar”.

O fim da perícope é o versículo 17, em que há a confirmação dessa tragédia: “Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta Jeremias”: , bem como a transcrição da profecia de Jeremias, no versículo 18:”Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada, porque eles já não existem”. Ramá foi uma das cidades dadas à tribo de Benjamin, nas vizinhanças de Betel. Quando Nabucodonosor invadiu Judá, os judeus cativos, inclusive Jeremias, ficaram detidos em Ramá (Jr 40.1). Os cativos, que eram muito velhos ou fracos para fazerem a viagem até a Babilônia, forma mortos ali. Esse foi o primeiro cumprimento da profecia: “Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto e grande lamento”.

“... era Raquel chorando por seus filhos.” Raquel foi a esposa preferida de Jacó e era estéril.Graças ao bom Deus foi-lhe dada a concepção de um filho a quem Jacó chamou de José. Raquel deu a luz também a Benjamin, mas durante o parto deste, faleceu. Ela foi sepultada próximo a Belém. “Raquel chorando por seus filhos” tornou-se uma expressão simbólica da lição e do sofrimento dos israelitas, da qual Mateus se serviu neste texto.

HERODES

Herodes, o Grande, foi rei dos judeus de 37a.C. a 4a.C., o que corrobora com a teoria de que Jesus nasceu em 6a.C.! Ao saber, através dos magos, do nascimento do Rei dos Judeus em Belém, Herodes se enfureceu, pois tinha ciúme assassino de todos os seus rivais. Ele suspeitava de qualquer pessoa que pudesse representar ameaça ao seu poderio. Todos os que de certa forma colocaram em risco o seu reinado foram mortos, ele não poupou amigos de outros tempos, servos, inimigos, sacerdotes nobres e nem esposa e filhos.

A matança dos inocentes abaixo de dois anos por Herodes encontra-se unicamente no capítulo 2, versículo 16 de Mateus; nenhum de seus companheiros mencionou esse fato. Historicamente também não há comprovação desse episódio relatado por Mateus, mas pelo perfil psicológico traçado por estudiosos a respeito da personalidade de Herodes, não é de se duvidar de que ele fosse capaz de tal atrocidade.

MAGOS

Então Herodes, vendo que fora iludido pelos magos, irou-se grandemente...” Por que ele não mandou procurar e matar esses sábios, em vez de mandar matar as crianças? É interessante notar que essas figuras foram tão importantes para Jesus, não só para o cumprimento da profecia de Oseias ( “do Egito chamei o meu Filho”), mas também protegendo Jesus da matança de Herodes e servindo como provedores dos recursos necessários à estada da família de José no Egito, com o ouro, incenso e mirra presenteados ao bebê recém-nascido em Belém. A ira de Herodes era implacável e certamente foi apenas aguçada pela traição dos magos.

e mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo que havia em Belém, e em todos os seus arredores, segundo o tempo que com precisão inquirira dos magos.” Apesar de traidores de Herodes, este confiou na palavra dos magos a respeito do fato e do momento do nascimento de Jesus. Herodes conhecia a profecia e temia por isso. O texto nos leva à seguinte questão: qual foi a causa maior da ira de Herodes: a traição dos magos ou o fato de não encontrar o Menino-Rei? Ao contextualizar a ação, podemos afirmar que Herodes não se privaria de cometer tal infanticídio a despeito de continuar no poder. Os magos foram apenas peças importantes para José e sua família, quase nada representando para o rei judeu, pois o papel desempenhado por Herodes veio representar para a história muito mais do que podemos imaginar.

ELEMENTOS NARRATIVOS USADOS POR MATEUS

O texto está narrando a reação de Herodes ao saber que havia nascido aquele que pelas profecias seria o Rei dos Judeus. A segmentação do texto é marcada pelos elementos de percepção (verbo perceber) e pela mudança de atitude (mandar matar), caracterizada pelas conjunções “então” (aditiva) e “de acordo” (conformativa).

Herodes é o agente nesta narrativa, ao ordenar a matança dos meninos de dois anos para baixo; os meninos de Belém, bem como os magos, são os pacientes, isto é, ficam à mercê do sujeito agente, que é Herodes.

A história se passa na pequena cidade de Belém, que nessa época, contava com uma população de 300 a 1000 habitantes. Segundo Mateus, esse acontecimento se deu no tempo preciso indicado pelos magos.

PARALELO

Os livros sinóticos não apresentam relato semelhante, todavia podemos traçar um paralelo entre o que aí aconteceu com o que houve na história de Moisés. Êxodo 1.15-22 relata o seguinte:

“Falou o rei do Egito às parteiras das hebréias, das quais uma se chamava Sifrá e a outra Puá, dizendo: Quando ajudardes no parto as hebréias, e as virdes sobre os assentos, se for filho, matá-lo-eis; mas se for filha, viverá.

As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como o rei do Egito lhes ordenara, antes conservavam os meninos com vida. Pelo que o rei do Egito mandou chamar as parteiras e as interrogou: Por que tendes feito isto e guardado os meninos com vida? Responderam as parteiras a Faraó: É que as mulheres hebréias não são como as egípcias; pois são vigorosas, e já tem dado à luz antes que a parteira chegue a elas.

Portanto Deus fez bem às parteiras. E o povo se aumentou, e se fortaleceu muito. Também aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, ele lhes estabeleceu as casa. Então ordenou Faraó a todo o seu povo, dizendo: A todos os filhos que nascerem lançareis no rio, mas a todas as filhas guardareis com vida. E continua em 2.1-2: “Foi-se um homem da casa de Levi e sua mulher concebeu e deu à luz um filho e, vendo que ele era formoso, escondeu-o três meses.”

Assim como as parteiras foram esquecidas e inocentes foram mortos pela ira do Faraó, não houve perseguição aos magos de Herodes, e os meninos foram sacrificados.

Moisés, da tribo de Levi, é tido como protótipo de Jesus; todos os acontecimentos, do seu nascimento à libertação do povo hebreu comprovam essa teoria. Ele foi poupado quando recém-nascido, assim como o Filho de Deus o foi, culminando com a libertação do seu povo do jugo egípcio, assim como Jesus nos libertou do jugo do pecado.

Herodes e Faraó se tornaram vilões na história, mas que com seus feitos diabólicos foram aproveitados por Deus para mudar o curso da História e cumprir as profecias divinas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um texto, cuja idéia principal está em um versículo, passaria despercebido se não fosse a concentração dessa primária e primeira exegese. Muito mais poderia ser explorado e aprendido, mas o estudo exegético apenas começou. Continuar nesse processo, em busca de aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus, é como buscar um tesouro escondido no campo e vender tudo para comprar esse campo (Mt. 13.44).

Vimos o poder de Deus e a sua soberania na História. Homens maus e poderosos não deixaram de agir e disseminar a sua maldade com tristezas e mortes, porém Deus mudou a História, e o curso não saiu de seu controle. É fato que inocentes pagaram com suas vidas, mas isso foi mérito dos maus e não de Deus, que é bom.

Confiando nesse Deus poderoso e maravilhoso, podemos mudar o rumo da nossa história e fazer a diferença no nosso tempo. Assim como Moisés, que com suas limitações, mas crendo na promessa da terra prometida, conseguiu libertar o seu povo; e Jesus, que com sua perfeição e entrega total a uma causa, conseguiu nos libertar do pecado e da morte, também nós, pobres mortais, temos que nos fortalecer nas promessas da Palavra de Deus, para vencermos o pecado, a morte e este mundo.