quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A tentação de Jesus (Mt-4:1-11)


Mario Marcos Andrade da Silva      
  Perícope: A narrativa da tentação de Jesus no Evangelho de Mateus, fica estabelecida no capítulo 4 dos versículos 1-11, pois no capítulo 3 e versículo 17 termina a narrativa do se batismo, e no capítulo 4 versículo 12 se inicia com Jesus voltando para a Galiléia, após a prisão de João Batista.

         Traduções: RC (para estudo do texto)
                            NVI (para comparar os textos)
         Para o estudo final do texto e exposição do mesmo, usei o novo testamento interlinear, por ser mais fiel aos originais.
         Equivalente sinótico: o texto o qual é o objeto de estudo se encontra nos três evangelhos sinóticos, sendo que Marcos é muito breve, pois dedica apenas dois versículos (Mc-1:12-13) e não especifica as três tentações relatadas por Mateus e Lucas. Para Mateus e Lucas, Jesus cumpriu sua missão mediante uma luta contínua contra “satanás” chamado “diabo” acrescentando as três tentações provavelmente tiradas da fonte “Q”.
         A maior diferença encontrada no texto de Mateus com relação a Lucas: é a troca da segunda pela terceira tentação. Mateus espiritualiza o texto mais do que Lucas, tirando Jesus do deserto e o colocando no pináculo do templo que é um ambiente religioso.
Texto (Mt-4:1-11)
A tentação de Jesus

         1 Então Jesus foi levado para o deserto por o Espírito para ser tentado por o diabo. 2 E tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, ao final teve fome. 3 E aproximando-se o tentador disse a ele: Se és filho de Deus, dize para que estas pedras se tornem pães . 4 Mas ele respondendo disse: Está escrito: Não de pão somente viverá o ser humano, mas de toda palavra saindo por (a) boca de Deus. 5 Então toma o diabo consigo a ele para a cidade santa e colocou a ele sobre o pináculo do templo, 6 e diz a ele: Se és filho de Deus , joga a ti mesmo abaixo; pois escrito está: Aos anjos dele ordenará a respeito de ti e em (as) mãos carregarão a ti, para que não batas contra pedra o teu pé. 7 Disse a ele Jesus: Também está escrito: Não tentarás (o) Senhor o teu Deus. 8 De novo toma o diabo consigo a ele para um monte muito alto e mostra a ele todos os reinos do mundo e a glória deles. 9 e disse a ele: Estas coisas todas a ti darei, se prostrando-te adorares a mim. 10 Então diz a ele Jesus: Vai embora, satanás; Pois escrito está: (O) Senhor teu Deus adorarás e a ele somente darás culto. 11 Então deixa a ele o diabo, e eis anjos se aproximaram e serviam a ele.

EXEGESE
         1 Então Jesus foi levado:
         [1] A expressão ser levado define um fenômeno transcendental, levado em espírito ou transportado em espírito, o verbo está sempre no passivo, indicando uma ação que vem de fora. A palavra “espírito” está relacionada a experiência espiritual, esta experiência é entendida simbolicamente como abandono do corpo por parte do espírito, nesse abandono, o visionário é transportado para fora da realidade humana, também como o seu corpo. Vejamos alguns exemplos: (Ez-37:1-2) Veio sobre mim a mão do Senhor; e o Senhor me levou em espírito, e me pôs no meio de um vale  que estava cheio de ossos, e me fez andar ao redor deles; e eis que eram mui numerosos sobre a face do vale e estavam sequíssimos.
         (Ap-1:10-11)  Eu fui arrebatado em espírito, no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta,  que dizia: O que vês, escreve-o num livro e envia-o às sete igrejas que estão na Ásia: a Éfeso, e a Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardes, e a Filadélfia, e a Laodicéia.
         Em ambas as visões os visionários estão envolvidos tanto com o seu espírito quanto com o seu corpo, Ezequiel caminha sobre um vale de ossos e cita detalhes de sua visão “os ossos eram mui numerosos e estavam sequíssimos” ele fala, vê e ouve. João ouve uma voz e recebe ordens para aquilo que ele ver, ele escrever.
         A experiência de Jesus è real, enquanto seu espírito é levado para fora do seu corpo; Jesus experimenta a visão sendo levado em espírito, que como já vimos tem a ver com a dimensão espiritual de sua pessoa, mas Jesus é levado corporalmente por satanás, contempla todos os reinos do mundo, é levado corporalmente para Jerusalém, sendo colocado no ponto mais alto do templo. Não se trata somente de uma visão espiritual (levado em espírito), pois o corpo de Jesus está totalmente envolvido em seus sentidos: Tem fome, vê, fala, ouve e é transportado pra lá e para cá e trava uma batalha verdadeira com satanás. A impressão que se tem é a de uma experiência mística tão profunda e completa que até o corpo do visionário, e não apenas seu espírito, é envolvido. As duas dimensões, o êxtase espiritual (arrebatamento íntimo, admiração de coisas sobrenaturais) e transporte corporal, são elementos típicos da literatura apocalíptica, cujo caráter de revelação se dá geralmente pelo êxtase que possibilita a visão e o acesso às “coisas divinas”. É mais um elemento que confirma nossa intuição de considerar (Mt-4:1-11) como um relato de experiência visionária e extática (posto em êxtase).
         A experiência de Jesus é espiritual, por seu espírito está sendo levado e real quanto aos lugares que está indo, não que os lugares sejam físicos, são reais por serem locais existentes.
         Esta experiência de viagem espiritual é profunda, complexa e de difícil compreensão, que até quem experimentou não sabe definir direito, vejamos o que o apóstolo Paulo escreveu em (2Co-12:1-4)  Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor.  Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu.  E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar.
         2 Para o deserto:
         Agora precisamos analisar alguns fatos; a tentação de Jesus se dá logo depois do seu batismo, no evangelho de Marcos (1:9) diz que Jesus indo de Nazaré da Galiléia. Foi batizado por João no rio Jordão, e o evangelho de João identifica esta região em que João batizava, sendo em Betânia (Jo-1:28) essas coisas aconteceram em Betânia, do outro lado do Jordão onde João estava batizando.
         Betânia, que quer dizer “casa dos pobres” uma aldeia na vertente oriental do monte das oliveiras, cerca de 2.700 m. quase 3 km. a oeste de Jerusalém, na estrada que liga Jerusalém a Jericó. Era em Betânia que se situava a casa dos irmãos, Lázaro, Marta e Maria. Na maioria das vezes que Jesus esteve naquela região hospedava-se na casa deles. (Mt-21:17), (Mc-11:1,11,12), (Lc-10:38), (Jo-11:1).
         Por estas referências e pelo contexto de que Jesus estava naquela região, acredito que depois do seu batismo Jesus foi para casa dos seus três amigos, se isolando em algum lugar da casa, ficando em jejum por quarenta dias, Jesus absteve-se de alimento, mas não de água. Abster-se de água por quarenta dias requer um milagre. Uma vez que Jesus teve que enfrentar a tentação, como representante do homem ele não podia empregar nenhum outro meio para vencê-la além do de um homem cheio do espírito Santo. Após os quarentas dias de jejum, entra em êxtase espiritual. Êxtase (arrebatamento íntimo, admiração de coisas sobrenaturais) ou seja levado em espírito.
         O primeiro deserto a que Jesus é submetido é uma solidão interior, pois nem sempre deserto se refere a um lugar geográfico, mas também a lugar desabitado, despovoado ou estar sozinho, nesta experiência Jesus é levado para fora do seu corpo, isso acontece numa situação de solidão interior, que em primeiro plano não deve ser entendida como ir para um lugar geográfico, mas sim como uma situação espiritual, após quarenta dias desse deserto (solidão interior) entra em êxtase espiritual e de dentro desse primeiro deserto faz uma viagem extática (posto em êxtase) o êxtase, a saída do corpo e a visão de Deus são simbolicamente expressos na estrutura literária da “viagem extática”. [2] Existem vários tipos de “viagens extáticas” sendo que as mais conhecidas, na literatura antiga, são a viagem ao céu, a descida ao inferno e a viagem pela terra. Vamos analisar as três, procurando elementos para entender a “estranha viagem” de Jesus no relato da tentação.  
2.1) Viagem ao céu: É a mais comum das viagens, sobretudo na literatura apocalíptica, nos capítulos 4 e 5 do livro do apocalipse encontramos alguns  elementos de viagem celestial. (Ap-4:2)  e logo fui arrebatado em espírito, e eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono.
         Segundo a tradição o apocalipse foi escrito pelo apóstolo João, quando este estava só na ilha de Patmos e enviou-o às sete igrejas na Ásia Menor (1:11), no capitulo 4, João é levado em espírito para o céu, nesta viagem é acompanhado por alguém, vê um trono, alguém assentado sobre este trono, tem a visão de anjos, do que vai acontecer, audição e revelação.
         Em comparação com o nosso objeto de estudo, (Mt-4:1-11) encontramos os seguintes elementos comuns: O êxtase, assim como João Jesus é levado em espírito, situação de solidão interior, Jesus também só que por um anjo decaído, o diabo,  a subida ao ponto mais alto ou ao céu, Mateus não faz referência a Jesus atravessando vários céus, mas sim a Jesus sendo levado ao ponto mais alto do templo e a um monte muito alto, de lá Jesus contempla não o trono de Deus mas o de satanás ou seja os reinos sobre os quais ele exerce sua autoridade e pelos quais ele pede para ser adorado.
2.2 Descida ao inferno: No evangelho de Bartolomeu (citado por Justino em 150 d.C) fala da descida de Jesus ao inferno com o objetivo de tirar dali Adão e todos os que com ele se encontravam e de acorrentar o diabo, Quando ias no caminho da cruz, eu te segui de longe. E te vi a ti, dependurado no lenho, e os anjos que, descendo dos céus, te adoraram. Ao sobrevirem as trevas e eu estava a tudo contemplando. Eu vi como desapareceste da cruz e só pude ouvir os lamentos e  o ranger de dentes que se produziram subitamente das entranhas da terra. Dize-me, Senhor, onde fostes depois da cruz? Jesus então respondeu desta forma: Feliz de ti,Bartolomeu, meu amado, porque te foi dado contemplar este mistério. Agora podes perguntar-me qualquer coisa que a ti ocorra, porque tudo dar-te-ei eu a conhecer. Quando desapareci da cruz, desci aos infernos para dali tirar Adão e a todos que com ele se encontravam, cedendo às súplicas do anjo Gabriel
         No novo testamento vemos isso em (Ef-4:8-10) pelo que diz subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens. Ora, isto ele subiu que é, senão que também, antes, tenha descido as partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as ciosas. Ainda temos (Rm-10:6-7), (1Pe-3:18-20), (1Pe-4:6).
2.3 Viagem pela terra: Na literatura judaica antiga a viagem pele terra por um agente celestial não era novidade, no livro de Enoque temos o seguinte relato: (1En-17) “Eles levantaram-me a um certo lugar, onde lá havia a aparência de um fogo fervente; e quando eles se agradaram assumiram a semelhança de homens. Eles levaram-me a um alto lugar, a uma montanha, cujo topo alcançava o céu. E eu vi os receptáculos da luz e do trovão nas extremidades do lugar, onde ele era profundo. Havia um arco de fogo, e flechas em seu vibrar, uma espada de fogo, e toda espécie de relâmpagos.
         Então eles levaram-me a um arroio murmurante, e a um fogo no oeste, o qual recebeu todo pôr-do-sol. Eu vim a um rio de fogo o qual fluiu como água e desaguou no grande mar para o oeste. Eu vi todo largo rio, até que cheguei a grande escuridão. Eu fui para onde toda carne migra; e vi as montanhas da escuridão as quais constituem o inverno, e o lugar do qual flui a água em cada abismo. Eu vi também as bocas de todos os rios do mundo e as bocas das profundezas.3 No testamento de Abraão, documento redigido talvez no Egito entre o I e o II século d.C, encontramos o relato de uma longa viagem de Abraão pela terra. Deus manda o arcanjo Miguel falar com Abraão sobre sua morte para que ele dê disposição sobre suas posses. E Abraão faz um pedido a Deus, por intermédio de Miguel: Enquanto estou ainda neste corpo, gostaria de ver todo mundo habitado e todas as coisas criadas, que tu estabelecestes, Senhor, através de uma palavra e depois de ter visto essas coisas, eu deixo  a vida sem tristeza” (9,6). Então Miguel pega Abraão em um carro de querubins e o levou pelo ar do céu e o conduziu numa nuvem, onde estavam outros 60 anjos.


         3 A viagem de Jesus:
         Analisando a viagem de Jesus na tentação, notamos que ele não sobe ao céu nem desce ao inferno, é uma viagem pela terra que mistura elementos da viagem celestial e da descida ao inferno, ele é levado a três lugares diferentes e reais, de dentro do seu primeiro deserto (solidão interior) ele parte através do êxtase espiritual (em espírito) para o segundo deserto, agora lugar físico, este deserto é normalmente identificado como o deserto da Judéia que se estende para oeste de Jerusalém em direção ao mar morto e ao rio Jordão, a tradição popular identificou sempre este lugar como a morada do diabo.
3.1 As três tentações:
a) A tentação de transformar pedras em pães:
 (v.3) E aproximando-se o tentador disse a ele: se és filho de Deus, dize para que estas pedras se tornem pães.
  (v.4) Mas ele respondendo disse: está escrito: não de pão somente viverá o ser humano, mas de toda palavra saindo por (a) boca de Deus.
         [3]Transformar pedras em pães era reconhecido como o sinal dos últimos tempos que o messias poderia realizar. Este seria o grande sinal revelador de sua identidade e o colocaria na tradição dos grandes profetas do passado: de Moisés que deu maná para o povo no deserto (Ex-16), de Elias (1Rs-17), de Eliseu (2Rs-4); do pão de graça que, com vinho e leite, são a promessa para os últimos tempos (Is-55:1-2).
         Quando Jesus recusa transformar pedras em pães, na realidade ele está também afirmando que sua comida é diferente, pois um ser divino nunca comeria pão como os homens, não comer pão ou comida terrena é típico de seres celestes e também dos homens que tem experiências extáticas. Abraão, viajando em companhia do anjo Javel até o trono de Deus declara: (Ap.Abr-12-1) “Assim nós partimos e juntos permanecemos durante quarenta dias e quarenta noites. Não comi pão, nem bebi água, porque o meu alimento era contemplar o anjo que estava comigo e a minha bebida era a sua palavra”.
         Jesus cita (Dt-8:3), que é a tentação do povo no deserto, aqui também há uma alusão a (Gn- 3:1-5) onde a serpente identificada como satanás faz a tentação a Eva, que por sua vez cedeu, fazendo ceder também Adão, que não olharam para o que saiu da boca de Deus em (Gn-2:17) “ mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”.
         Mateus escreveu seu evangelho para os judeus e apoiando-se na revelação, promessas e profecias do A.T, tenta provar que Jesus era o Messias, é como se ele estivesse dizendo: olha, o povo da promessa liderados por Moisés foi levado ao deserto para ser tentado e sucumbiu, mas Jesus foi levado para o deserto e venceu, olha o primeiro Adão foi tentado a comer e comeu, mas Jesus o segundo Adão venceu e não comeu.
         Aqui Jesus foi tentado pelo diabo, no sentido de usar o seu poder para proveito próprio: transformar pedras em pães no momento de intensa fome, o objetivo de satanás era produzir na mente de Jesus, que aquelas pedras, se ele quisesse se tornariam em pães, e assim estaria obedecendo uma ordem direta de satanás. O ataque de satanás foi exatamente em uma área carente de Jesus naquele momento. O tentador não tem a intenção de expor Jesus e destruir sua reputação desta maneira. Suas intenções são bem definidas e deliberadas. Seu objetivo vai em outra direção. Seu objetivo preciso é incitar Jesus a provar que de fato é o filho de Deus, mas por que? Que vantagem ele, o diabo, teria com isso? Na verdade seria ele, o diabo, que determinaria as ações de Jesus, seria ele quem teria, na verdade, o poder, seria em seu nome e para sua glória que os milagres seriam feitos. 
b) A tentação no pináculo do templo:
(v.5) Então toma o diabo consigo a ele para a cidade santa e colocou a ele sobre o pináculo do templo,
(v.6) e diz a ele: Se és filho de Deus, joga a ti mesmo abaixo; pois escrito está: Aos anjos dele ordenará a respeito de ti e em (as) mãos carregarão a ti, para que não batas contra pedra o teu pé.
         A relativação do corpo físico no ser transportado pelo céu, passando, num piscar de olhos, de uma situação física para outra, ficaria impossível se Jesus estivesse realmente com seu corpo físico no deserto da Judéia. Após vencida a primeira tentação, o diabo transporta Jesus em espírito pelos céus e o leva para o templo de Jerusalém. Ficar na ponta do templo de Jerusalém é uma ação tipicamente messiânica, pois se acreditava que quando o messias chegasse se colocaria no lugar mais alto do templo, (Ml-3:1).
         A palavra do diabo tem o intuito de apresentar muita piedade, ele toma medidas baseado na existência divina. Pois, agora, o que está em jogo não é a honra do filho de Deus, mas a honra do próprio Deus: ”Aos anjos dele ordenará a respeito de ti” (v.6). O poder de Deus será respeitado, o que significa (de acordo com a lógica do tentador) que será permitido “operar” e esta obra deve ser “expressa”. Mas aqui não está em jogo apenas a importância soberana do próprio Deus, o Deus cuja honra o tentador parece atribuir tanta importância. Ele vai além e reitera sua pergunta com as próprias palavras de Deus: “está escrito” (Sl-91:11-12).
         Jesus, para refutar o diabo, diz: Também está escrito: Não tentarás (o) Senhor o teu Deus. (v.7ª). Jesus faz uma alusão à (Ex-17:1-7) que na jornada pelo deserto de Sim, o povo contende com Moisés pela falta de água, onde deram o nome daquele lugar Massá e Meribá, (tentação e contenda) por causa da contenda dos filhos de Israel, e porque tentaram ao Senhor, dizendo: Está o Senhor no meio de nós, ou não? (v.7).
c) A tentação dos reinos do mundo:
(v.8) De novo toma o diabo consigo a ele para um monte muito alto e mostra a ele todos os reinos do mundo e a glória deles.
(v.9) E disse a ele: Estas coisas todas a ti darei, se prostrando-te adorares a mim.
         Jesus é transportado mais uma vez como num piscar de olhos, o cenário agora é uma montanha, cujo nome não é identificado, a partir da qual podia ver todos os reinos do mundo. A visão do mundo materialmente é impossível, pois não existe montanha tão alta que possibilite uma abrangência universal. Algo semelhante aconteceu com o apóstolo João (Ap-21:10).
         Nesta tentação, satanás tem o objetivo de vencer Jesus pela visão, astutamente de um monte alto, onde a visibilidade é maior, descortina diante dos olhos de Jesus, os reinos do mundo e a glória deles,o que satanás oferece a Jesus não é nada material ou físico, mas sim, transigência, poder terreno, artifícios políticos, violência, domínio, popularidade, honra e glória humana. Esta estratégia é muito antiga, começou lá no Éden (Gn-3:6). Ló foi seduzido pela visão da campina do Jordão e fracassou (Gn-13:10-11). No sermão do monte, Mateus escreve que a lâmpada do corpo é o olho e que se o olho for bom, todo corpo será iluminado.
         Encontramos aqui uma visão “terrestre” do trono celeste: o diabo se declara senhor dos reinos da terra habitada, propõe toda esta glória a Jesus, mas exige em troca culto e adoração, nesta tentação o diabo revela o seu maior desejo, ser adorado por Jesus. O verbo adorara do nosso texto bíblico em pauta: “estas coisas todas a ti darei, se prostrando-te adorares a mim”. (v.9) é “proskuneo” (grego), que dá a idéia de curvar-se a tal ponto de beijar os pés, Jesus responde dizendo a ele, que este tipo de adoração, somente Deus é digno de receber, que o único Senhor é Deus tanto no céu como na terra e só a ele se presta culto, (v.10). Podemos interpretar que por trás da afirmação de Jesus, “está escrito: o Senhor teu Deus adorarás e a ele somente darás culto”, tenha uma ordem explícita para o diabo voltar a sua real condição angelical dependente e a serviço do Altíssimo e não opositor e adversário dele.
         Antes da tentação em (Mt-3:17b) está escrito: “Este é o meu Filho amado”. As duas primeiras tentações o diabo usa as condicionais “Se tu és o Filho de Deus,” satanás baseado no fato de que Jesus é o Filho de Deus.  Nas condicionais “se tu..” o tentador não leva isso em consideração. Ele está bem preparado para reconhecer que Jesus é o Filho de Deus, tem duvidas apenas das razões táticas para desempenhar alguns milagres. O diabo não apenas está sendo grosseiro como procura ridicularizar o Senhor ou rir dele porque falha em operar milagre.
         O que o diabo quer dizer por Deus e Filho de Deus não é Deus absolutamente, mas um fantoche a quem o diabo faz encaixar em seus propósitos, e pode fazê-lo dançar pular, operar o milagre do pão, pular do pináculo do templo. Este deus não é o Senhor do diabo, mas seu escravo. O diabo o usa a fim de depositar as grandes questões da vida em sua conta pessoal.

         4 Paralelismo:
(v.3a) E, chagando-se a ele o tentador,
(v.11a) Então, o diabo o deixou;
         No começo da tentação se aproxima satanás, neste momento é manifesto o reino das trevas, Jesus é tentado, torturado psicologicamente e depois de todo este processo ele vence. Derrotado, o diabo retirou-se e Jesus foi servido pelos anjos, neste momento é manifesto o reino de Deus.
         Analisando este texto pude entender melhor (Tg-4:7) “Sujeitai-vos, pois a Deus; resisti ao diabo, e ele fugirá de vós.”



CONCLUSÃO
        
         Quando Jesus disse e fez tudo isso contra o diabo, “então o diabo o deixou, e os anjos o serviram.”
         Que conclusão para esta hora! E o reino dos céus e do inferno inclusos neste momento! Cristo foi “tentado como nós” esta é a maravilha desta hora. Pois porque ele foi tentado, tem compaixão das nossas fraquezas, temos um irmão quando o perigo mais ameaçador da vida se aproxima. Agora, não existe mais solidão
         Sim, existe outra maravilha em tudo isso: ”ele foi tentado em tudo, como nós, porém sem pecado”.
         Será que conseguimos entender o que isso significa?
         Desde o princípio sabemos como Jesus havia sido levado ao deserto, sozinho, para ser tentado, e não obviamente, para participar de um mundo de oportunidades pecaminosas e sedutoras. Esta foi a dica que recebemos quanto ao significado da tentação; pois já estudamos que o segredo da tentação é a tentabilidade do homem. Este segredo é pertinente ao próprio homem, não fora dele, não, por exemplo,nas oportunidades pecaminosas. O abismo está inserido, mesmo se ele o evitar milhares de vezes. Ele é tentado a roubar porque é um ladrão, mesmo se ele não rouba de fato. É tentado a matar porque é um assassino, apesar do fato de nunca ter matado ninguém.
         E assim, a possibilidade de sermos tentados a mentir, roubar, adulterar, nos prova que somos criaturas mentirosas. Não podemos mudar esta constituição fundamental da vida mesmo que lutemos pela verdade e contra cada mentira em cada nervo do corpo e na alma. A tentação à mentira continua; o abismo em nós clama; o pecado ali está à espera do desejo implacável. Esta é a pavorosa e inspiradora lição da tentação. “Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo sujeito a esta morte?” (Rm-7:24).


[1] SCHIAVO, Luigi. Orácula São Bernardo do Campo, v.1, n.1 p.4, 2005.
[2] SCHIAVO, Luigi. Orácula São Bernardo do Campo, v.1, n.1 p.8, 2005
[3] SCHIAVO, Luigi. Orácula São Bernardo do Campo, v.1, n.1 p.38, 2005


sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ensinamentos, pregações e curas de Jesus

Alexandre Luiz de Paula

Sumário


1.      Introdução........................................................................ 3
2.      Texto: (Mateus 4.23-25)................................................. 3
3.      Perícope........................................................................... 3
4.      Comparativo com o Evangelho de Marcos e Lucas...   4
5.      Interpretação do Texto...................................................5
6.      Geografia Bíblica............................................................6
- A divisão da Palestina Judaica....................................7
7.      Conclusão........................................................................8
8.      Referências Bibliográficas.............................................. 9
 
 
1.      Introdução
Nesta análise exegética da perícope de Mateus 4.23-25, pretendo entender a verdadeira intenção do autor, ao descrever uma passagem que mais parece nos mostrar o resumo da atuação de Jesus nas regiões por onde Ele andou, ensinando, pregando e curando enfermos, mas que está “propositalmente” inserido no inicio das narrações mateanas, onde Jesus começa seu ministério na Galiléia, logo após a convocação dos seus primeiros discípulos (4.18-22).
     
2.      Texto: (Mateus 4.23-25)

23 E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o evangelho do Reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo.
24 E a sua fama correu por toda a Síria; e traziam-lhe todos os que padeciam acometidos de várias enfermidades e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos e os paralíticos, e ele os curava.
25 E seguia-o uma grande multidão da Galiléia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judéia e dalém do Jordão. (ARC) [1]

Consultei o texto em 04 versões (NVI, TEB, NT Interlinear e ARC), não descrevi o texto em outra versão, pois não há diferenças significativas.

3.      Perícope
Temos um texto como parte introdutória aos capítulos seguintes (5-9), nos versículos anteriores (4.18-22), Jesus inicia o chamamento dos primeiros discípulos, por isso nossa perícope esta delimitada em 4.23-25.
Exegeticamente, vemos que não basta analisar uma “perícope”, que é um recorte textual, uma unidade delimitável como [...........].O projeto maior que chamamos de evangelho é composto pela costura de perícopes que tiveram origens distintas, e na união das perícopes, o lugar dado a cada uma desempenha um papel para o autor.[2]
Por isso vamos comparar o texto com outras passagens semelhantes e tentar decifrar suas intenções.

4.      Comparativo com o Evangelho de Marcos e Lucas

Não encontramos no evangelho de Marcos este texto no formato redigido por Mateus, um “sumario sintético” [3], encontramos partes do texto como: Jesus ensinando nas sinagogas (Marcos 1.21,39), que também está antes da eleição dos primeiros apóstolos e outra passagem que parece ser mais próxima do nosso texto é Marcos 3.7-10:

    7 E retirou-se Jesus com os seus discípulos para o mar, e seguia-o uma grande multidão da Galiléia, e da Judéia,
8  e de Jerusalém, e da Iduméia, e {dalém} do Jordão, e de perto de Tiro, e de Sidom; uma grande multidão que, ouvindo quão grandes {coisas} fazia, vinha ter com ele.
9 E ele disse aos seus discípulos que lhe tivessem sempre pronto um barquinho junto dele, por causa da multidão, para que o não comprimisse,
 10 porque tinha curado a muitos, de tal maneira que todos quantos tinham {algum} mal {ou flagelo} se arrojavam sobre ele, para lhe tocarem. (ARC)[4]
           
Uma diferença que podemos apontar neste texto de Marcos é a citação das cidades Iduméia, Tiro e Sidom, já no texto de Mateus a cidade citada é a Síria. Provavelmente existiam algumas pessoas desta região no grupo de Mateus, por isso ele muda a citação da região, uma forma de expressar também que o ministério de Jesus se espalhou por todas as regiões, judias (Galiléia, Judéia, Samaria), como também gentílicas (Decápolis, Síria, Peréia que esta descrita no texto como “dalém do Jordão”).
Já no evangelho de Lucas, encontramos uma passagem similar em 6.17-19, e se olharmos de uma forma mais abrangente, os textos de Mateus e Lucas neste ponto tem certas semelhanças, pois a passagem que antecede ambos é a eleição dos apóstolos (Mateus 4.18-22 / Lucas 6.12-16), e a passagem que vem logo após os mesmos é o sermão da montanha, com uma diferença que no evangelho de Lucas existem apenas 4 “Bem Aventuranças”, já em Mateus temos 8.
O que podemos concluir nestas comparações é que, esta é uma mensagem que todos deveriam seguir, logo após serem convocados, deveriam ir todas as regiões, pregando o evangelho do Reino, curando os enfermos e expulsando os demônios, uma missão para todos os que estavam inseridos neste no grupo mateano.

5.       Interpretação do Texto

Mateus 4.23-25 compõe um este sumario sintético antes de referir detalhes dos ensinamentos e curas de Jesus nos capítulos 5-9, ou seja, faz uma síntese de tudo o que ele iria propor nos capítulos seguintes, ele propõem um quadro geral que particulariza depois com exemplos concretos. O versículo 23, quase se repete literalmente em (9.35), Mateus estabelece assim uma clara inclusão dos capítulos (5-9)  [5].
Uma introdução ao ministério de Jesus, mostrando-nos o grande propósito não só do Messias, mas de todos os que foram convocados para serem “seus seguidores”, de pregar o evangelho do Reino, socorrer os mais necessitados, pobres oprimidos, enfermos e a grande maioria endemoninhados, porque a possessão demoníaca era considerada a causa de varias outras aflições como vemos em (9.33; 17.15; Marcos 9.25; Lc 13.10-12,16) [6]
Jesus faz uso pleno de sua oportunidade de ensinar na sinagoga[7], como podemos confirmar também em (13.53-58). Jesus se caracteriza como um Messias itinerante, as sinagogas dos judeus são o palco privilegiado de sua pregação, pois aí se reúnem as pessoas para escutar a leitura da Palavra de Deus, também faz gestos poderosos, curando todo tipo de doença e enfermidade do povo. Jesus se apresenta, neste momento inicial, como o Messias por palavras (cap. 5-7) e por obras (cap. 8-9). Esta expressão acentuada “suas sinagogas”, mostra-nos que a comunidade mateana possuía sua própria sinagoga, e que eles mesmos não comungavam com a mentalidade dos fariseus.[8]
Com a clara intenção de confirmar que Jesus, era o messias tão esperado, Mateus relata a atuação de Jesus e sua fama não só na Galiléia, mas nas cidades onde havia uma minoria de judeus como em Decápolis, Síria e dalém do Jordão. No v. 24 o texto diz que a notícia se espalhou rapidamente, de modo que chegou até a Siria.
É evidente que a palavra “Siria” nesta passagem não pode significar toda a província romana, que até o ano 70 d.C. incluía a Palestina, mas provavelmente a região norte da Galiléia abrangendo Antioquia e Damasco. Muitos judeus haviam se estabelecido nestas cidades do Norte; alguns voluntariamente, outros por movimentos obrigatórios de uma região para a outra. Laços econômicos, sociais e religiosos ligavam os corações dos judeus com seus parentes e amigos na Galiléia e Judéia. Também havia bons caminhos entre as diversas cidades. E vemos que Cafarnaum e Galiléia estavam situadas no caminho que vinha de Damasco. Antioquia e Damasco estavam igualmente conectadas. Existia um caminho costeiro que vinha desde Antioquia, passava por Tiro, Galiléia e Gaza em direção ao Egito.[9]

Jesus é claramente apresentado como o Messias dos desprezados, uma afirmação bem direcionada ao grupo mateano, que provavelmente estavam sendo descriminados por outros grupos de religiosos, pois decidiram serem Judeu-Cristãos Naquele momento eles provavelmente já haviam perdido o acesso à sinagoga local, sofriam preconceito pela adoção de Jesus como Messias e sofriam cada vez mais dificuldades em suas relações profissionais.

6.      Geografia Bíblica[10]

http://www.adotaciliocosta.com.br/imagens/Palestina-tempo-de-Jesus.jpg
No primeiro século, dividida em quatro regiões: Galiléia, Samaria, Judéia e Iduméia, a Palestina era uma província romana subordinada administrativamente ao Legado da Síria, onde ficava o quartel general das tropas de Roma no Oriente Médio.
A Divisão da Palestina Judaica
Galiléia - É a área mais setentrional da Palestina (agora, Estado de Israel) e foi a última a ser incorporada ao Estado Teocrático Judeu. É uma região fértil, composta de vales e pequenos montes, tendo ao norte uma cadeia de montanhas. Antes da ocupação pela Judéia, sua população era constituída por uma miscigenação de várias etnias. A partir de 100 a.E.C., os judeus foram se fixando na região. Os galileus viviam da agricultura e da criação de gado; os que residiam próximo ao Lago Tiberíades (ou Mar de Genezaré) eram, na maioria, pescadores.
Sofreram forte influência do helenismo, visto que muitos gregos migraram para lá e, naquela região, construíram uma autêntica cidade helênica. Os judeus galileus seguiam o Torá, mas não se julgavam subordinados ao Sinédrio, situado na relativamente distante Jerusalém.
Samaria - Situava-se entre a Galiléia e a Judéia; os samaritanos mantinham-se em constante atrito com seus vizinhos. Só seguiam as leis do Pentateuco de Moisés, ignorando os outros livros do Torá, daí serem considerados impuros pelos outros grupos religiosos. A hostilidade entre os samaritanos e os demais judeus palestinos vinha de longe, desde a separação das Tribos de Israel, quando adotaram uma postura de dissidência teológica.
Judéia - Era a região mais importante por ser Jerusalém o centro do poder do Estado Teocrático. Os judeus da Judéia, controlados diretamente pelo Sinédrio, consideravam teologicamente "impuros" os que viviam nas demais regiões da Palestina.
Iduméia - Região mais meridional da Palestina possuía cidades importantes como Hebron e Massada, habitadas pelos judeus que para lá se haviam deslocado a partir da Judéia. Sem serem ortodoxos, seguiam os princípios básicos do Torá
Mais ao sul, havia um vasto deserto onde viviam, em pequenos grupos dispersos, semitas que nunca se deram conta do judaísmo. Eram nômades que só viriam a entender o sentido de religiosidade quando, mais de seiscentos anos depois do primeiro século, foram congregados pelo grande líder e profeta Maomé, passando a fazer parte de uma nação de árabes muçulmanos, seguidores de uma religião regida pelas leis severas do Corão.
Decápolis - É o nome dado na Bíblia e por escritores antigos a uma região na Palestina que se encontra ao leste e ao sul do Mar da Galiléia. Seu nome é dado devido à confederação das dez cidades que dominaram sua extensão, unidas por certos costumes e por certa população. Localizava-se entre a planície de Esdrelon, dirigindo-se para o vale do Jordão, ocupando o leste deste rio. Era formada pelas cidades de Hipos (na margem oriental do mar da Galiléia), Damasco (ao norte), Canata (no extremo leste), Diom, Gadara, Citópolis (no extremo oeste), Pela, Filadélfia e Gerasa (no extremo sul). Nestas cidades havia uma minoria de judeus.[11]

Peréia (dalém do Jordão) - A Peréia ficava a Leste do Mar Morto, subindo pelo Rio Jordão no sentido Norte, na direção de Péla. Assim como na Judéia, seus habitantes eram, em sua maioria, quase puramente judeus, embora também houvesse a presença de gregos em suas terras. A região ficava “além do jordão”, isto é do lado leste desse rio (Jo 3.26). Esse nome não aparece na Biblia.[12]


7.      Conclusão

O autor do Evangelho de Mateus tem um propósito muito bem determinado ao citar esta passagem, ou seja, uma introdução aos “eventos históricos” da vida de Jesus, demonstrar através dos sinais que Jesus é o Messias tão esperado. Segundo Overman:
As citações de cumprimento não são basicamente, um esclarecimento dos “eventos históricos” da vida de Jesus. Essas citações enfatizam a reivindicação da comunidade de Mateus ás mesmas tradições que o judaísmo formativo estava apresentando e reivindicando como suas. Isso, obviamente, levaria á competição e ao conflito. Embora as tradições e as Escrituras de Israel fossem algo que a comunidade de Mateus e o judaísmo formativo tinham em comum, a afirmação de Mateus de que essas tradições e promessas são cumpridas exclusivamente na pessoa e na ação de Jesus de Nazaré.[13]

Uma espécie de esquema “promessa-cumprimento”, uma prova de que eles são o povo de Deus, que segue o agente de Deus, Jesus. Confirmando que a confiança depositada em Jesus pelo grupo mateano não é errada.
Eles deveriam seguir os mesmo exemplos de Jesus, sendo batizados e após serem convocados deveriam fazer da mesma forma, pregar o evangelho do Reino, curando os enfermos, expulsando os demônios em todas as regiões da Galiléia, Samaria e em todas as regiões da Síria, ou seja, até os confins da terra.

Referências Bibliográficas

HENDRIKSEN, William. Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mateo. 2850 Kalamazoo Ave. SE: Libros Desafio, 2003.

KASCHEL, Werner. Dicionário da Bíblia de Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

LIMA, Anderson de Oliveira. A mulher que ungiu Jesus - parte II. São Paulo: http://compartilhandonoblog.blogspot.com, 2010.

LUZ, Ulrich. El evangelio segun San Mateo: Mt 1-7, Vol 1.Salamanca: Editora Sigueme, 1993.

Novo testamento Interlinear: grego-português. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.

OVERMAN, J. Andrew. O evangelho de Mateus e o Judaísmo formativo: O mundo social da comunidade de Mateus. São Paulo: Loyola, 1997.

TOGNINI, Enéas. Geografia da Terra Santa: I volume. São Paulo: Louvores do Coração, 3ª Ed. 1987.

VITÓRIO, Jaldemir. Mateus: A Bíblia passo a passo. São Paulo: Loyola, 1996.



[1] Bíblia Sagrada – Edição Almeida Revista e Corrigida, 1995.
[2] LIMA, A mulher que ungiu Jesus - parte II. http://compartilhandonoblog.blogspot.com.
[3] LUZ, El evangelio segun San Mateo, p.243.
[4] Bíblia Sagrada – Edição Almeida Revista e Corrigida, 1995.
[5] LUZ, El evangelio segun San Mateo, p.241.
[6] HENDRIKSEN, Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mate, p.190.
[7] HENDRIKSEN, Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mate, p.188.
[8] VITÓRIO, Mateus: A Bíblia passo a passo, p.25.
[9] HENDRIKSEN, Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mate, p.189.
[10] TOGNINI, Geografia da Terra Santa: I volume, p. 181-204.
[11] LUZ, El evangelio segun San Mateo, p.245.
[12] KASCHEL, Dicionário da Bíblia de Almeida, p. 128.
[13] OVERMAN, O evangelho de Mateus e o Judaísmo formativo: O mundo social da comunidade de Mateus, p.83.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Análise exegética de Mateus 5.3,10 – As bem-aventuranças e o Reino dos céus


André Luiz Alves da Silva

1. INTRODUÇÃO
            O presente estudo visa analisar exegeticamente a perícope de Mateus 5.3-10, considerando principalmente os versículos 3 e 10. Para isto desenvolvi o trabalho através da comparação de pelo menos cinco versões brasileiras diferentes da Bíblia. Também fiz um comparativo das bem-aventuranças de Mateus com as do evangelho de Lucas, onde neste há um paralelismo com maldições correspondentes a cada uma das que ele apresenta. Em seguida considerei, através de consulta a obras a respeito do tema, o contexto literário, histórico e sociológico em que Mateus escreveu o seu evangelho. Após as análises passei a interpretação baseada nesses contextos, nos quais sugeri uma possível aplicação de cunho social.
 
2. COMPARAÇÃO DAS TRADUÇÕES
Mateus 5.3
Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus. (TEB)[1]
“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus. (NVI)[2]
Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. (ARA)[3]
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus; (ARC)[4]
Benditos os pobres no espírito, porque deles é o reino dos céus. (NT Interlinear Grego-Português)[5]
Mateus 5.10
Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o reino dos céus. (TEB)
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus. (NVI)
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. (ARA)
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus; (ARC)
Benditos os perseguidos por causa de(a) justiça, porque deles é o reino dos céus. (NT Interlinear Grego-Português)

 A TEB é a única das 4 versões consultadas que utilizou a palavra “feliz”, para a palavra grega “makarioi”, as demais (NVI, ARA e ARC) utilizaram a expressão mais bem conhecida por nós: “bem aventurados”. No Novo testamento interlinear grego português a expressão é traduzida por “Benditos”.
No v.3 a TEB, a NVI e ARC traduziu a palavra grega por “pobres”. Na ARA é a expressão é “humildes”.
A TEB traduz a expressão grega “de coração”, a NVI por “em espírito” e ARC e ARA traduz “de espírito”.
Em todas as bem-aventuranças, a TEB mantém uma estrutura com “:” (dois pontos), excluindo uma palavra do grego, após falar do sujeito bem aventurado, em seguida ao “:” é descrita a bem-aventurança que  está atribuída ao sujeito. As demais versões consultadas utilizaram as preposições “pois” (NVI) e “porque” (ARA e ARC), indicando a justificativa da afirmação do sujeito que é bem aventurado.

3. PERÍCOPE
O texto das bem-aventuranças é do versículo 3 ao 12, este último encerra com uma exortação à alegria em razão de uma recompensa nos céus e a lembrança dos profetas perseguidos no passado. Os versículos 11 e 12 são da mesma perícope, mas estão fora do quiasmo, portanto podem ser estudados separadamente, isto pode ser observado analisando a estrutura semelhante com que se apresentam as bem-aventuranças: primeiro temos o tipo de sujeito bem aventurado e, segundo descreve o tipo da bem-aventurança. Embora o versículo 11 apresente uma bem-aventurança, sua estrutura é diferente dos vv. 3-9.
Os versículos 3 e 10 de Mt 5 formam uma espécie de moldura da perícope, pois ambos terminam com a expressão “Reino dos céus”. Temos aqui então o quiasmo proposto por Paulo Garcia[6].  
Mateus muda propositalmente a estrutura das bem-aventuranças colocando um quiasmo porque é uma estrutura literária de um escriba judeu. 

4. COMPARATIVO COM LUCAS
Em Lc.6.20-23, Lucas também apresenta as bem-aventuranças. No entanto enquanto em Mateus temos oito bem-aventuranças, sem contar a que está fora da perícope de 3-10, Lucas apresenta apenas quatro, mas apresenta a antítese, que são os “ais” traduzidos na TEB com o antônimo de feliz “infeliz” dos vv.24-26. Fazendo assim uma correspondência de “ais” para cada uma das bem-aventuranças. Vamos nos concentrar apenas no texto principal de nossa análise. Veja a comparação abaixo utilizando a TEB:
Mt.5.3
            “Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.”
            Lc.6.20
            “Felizes, vós, os pobres, o Reino de Deus é vosso.”
            Veja o “ai” correspondente em Lc.6.25:
            “Infelizes, vós os, os ricos: já tendes a vossa consolação.”

5. MACRO ESTRUTURA LITERÁRIA
Mateus apresenta cinco sermões. O texto de nosso estudo faz parte do primeiro discurso. Há muita semelhança e paralelismo com o Pentateuco. Até no número de discursos é semelhante ao número dos livros de Moisés.
            O primeiro discurso inicia-se com muita semelhança ao livro de Êxodo. Seu conteúdo são as instruções para os seguidores de Jesus, no caso a comunidade de Mateus. O discurso é feito a partir do monte, segundo o Evangelho de Mateus “Jesus subiu ao monte”. Há nisto um forte paralelo com o local onde a lei foi dada para os judeus. É neste discurso que Jesus reinterpreta a Lei.  As bem-aventuranças são as bênçãos dadas aos da comunidade de Mateus que mantém as virtudes nela descritas, é aqui também que a singularidade da comunidade é defendida através das figuras “sal da terra” e “luz do mundo”, semelhantemente ao Pentateuco, onde os judeus se identificam como “o povo de propriedade exclusiva de Deus” ou no pai Abraão onde nele seriam abençoadas todas as famílias da terra. Para mostrar que Jesus tem tanta autoridade como Moisés, o primeiro discurso é finalizado com a maneira como Jesus ensinou, como de quem tem autoridade. É muito comum a utilização que Mateus faz do Antigo Testamento no seu evangelho, especialmente para demonstrar em Jesus o cumprimento de profecias. Isso confirma a idéia da comunidade para a qual Mateus escreveu ser uma comunidade de fé judaica, sendo esta baseada no messias Jesus.

6. CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL
             O evangelho de Mateus deve ser lido não como fruto da ruptura entre o cristianismo e o judaísmo.[7] O cristianismo na comunidade de Mateus deve ser entendido a partir da perspectiva social do chamado judaísmo formativo que vai de 165 a.C. a 100 d.C. Este período é caracterizado por muitos estudiosos como um período de natureza sectária.[8] A seita, que deve ser entendida aqui nesse contexto por “grupo”, é uma minoria que por sentir-se alienada por causa do grupo que lidera, grupo dominante, opõe-se a este. Por isso o grupo não dominante entende-se como os que possuem a verdade e que um dia será vingado por Deus. Nesse sentido, o cristianismo na comunidade de Mateus é uma nova vertente do judaísmo.
            Cada uma dessas comunidades sente-se como os justos de Deus. Os fariseus, os saduceus e os essênios são três das comunidades existentes daquela época e que alternadamente fizeram parte do grupo dominante. Normalmente aliados dos governantes, por isso gozando de certa influência política e social.
Flavio Josefo nos conta sobre os fariseus como alcançaram poder e influência política sob o governo da mulher de Alexandre Janeu, Alexandra: “Ela permitiu que os fariseus fizessem tudo; e também ordenou que o povo lhes obedecesse. Restaurou as práticas que os fariseus haviam introduzido, de acordo com as tradições dos antepassados.”  O grupo que aderia ao governo estava a serviço da classe dominante e servia ao governo como educadores, funcionários religiosos e administradores. Faziam parte da folha de pagamento do governante e desfrutavam de seus favores. [9]
Na época de Mateus , na verdade, a classe sacerdotal é quem fluía do apoio do governo até 70 d.C. Os publicanos serão os próximos clientes. No entanto, Mateus é o grupo marginalizado e é por isso que no evangelho de Mateus encontramos diversas vezes Jesus opondo-se aos fariseus. Mateus faz questão de enfatizar a sua comunidade como justa e como povo de Deus, em contraposição a dos fariseus. No contexto do judaísmo formativo, o cristianismo em Mateus deve ser visto como uma dessas minorias que sente-se perseguida pelo grupo dominante. São eles que são os injustiçados, os pobres, os humildes, os que choram, os que são perseguidos, os que agem em prol da paz. Daí o porque Mateus escreve as bem-aventuranças, porque entende sua comunidade como o povo do Reino de Deus que há de vingar, que não mais será subjugada pelos fariseus, eles é que são os “benditos” de Deus, outra palavra possível para makarioi, usada para designar pessoas que possuíam atributos que poderiam ser creditados aos deuses, ou seja os abençoados, os que tem a aprovação de Deus e que serão aceitos por ele. Ele inverte o sentido de “bendito”, pois no Reino são os fracos é que são honrados

7. ESTUDO DA FORMA
A seguir faço uma correspondência entre os dois textos que justificam o porque de considerá-los no presente trabalho e que por sinal justificam o quiasmo. Farei isso através do paralelismo.
Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.(v.3)
Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o reino dos céus. (v.10)
Concluímos pelo paralelismo que a perseguição é que levou a comunidade de Mateus a ser pobre.

8. INTERPRETAÇÃO
            “Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.”
            Mateus fala aqui de sua comunidade. Colocando as palavras de Jesus para o seu contexto social, dentro da perspectiva social do judaísmo formativo. Sua comunidade não é formada pelos ricos fariseus que estão na folha de pagamento do governo. Por isso, eles que hoje são pobres é que na verdade são os que farão parte do verdadeiro governo, o Reino dos céus. O complemento “de espírito” ou “de coração” que não está presente no texto de Lucas, é termo de controvérsia entre estudiosos. Paulo Garcia propõe que pelo fato da comunidade ter optado por viver “em espírito” é que levou a comunidade a ser pobre.
              “Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o Reino dos céus.”
            A palavra justo dentro do contexto social do judaísmo formativo indica a maneira pela qual as várias comunidades de fé se enxergavam. Sendo assim esta bem-aventurança refere-se a comunidade de Mateus e como ela deve-se entender dentro do contexto sectário em que vivia, o grupo dominante a persegue, os membros não são mais considerados judeus legítimos porque não freqüentam mais a sinagoga. Entretanto para Jesus, nas palavras de Mateus, ela é “bem aventurada” por causa de sua justiça, então o reino dos céus pertence a ela, é o reino do verdadeiro governo, que é o de Deus e não dos homens, não do grupo dominante.

9. CONCLUSÃO
            Fica evidente pela macro-estrutura literária de Mateus e o contexto social de sua comunidade dentro do judaísmo formativo que as bem-aventuranças antes de ser uma mensagem a cada um dos cristãos, referem-se principalmente a essa comunidade de fé de Mateus. Portanto, uma espiritualização do texto de forma a trazer aplicações individuais a cada cristão, pode forçar o texto a dizer algo que o autor não quis dizer.
No entanto, é possível entendermos de que forma as bem-aventuranças e o Reino dos céus pode ser uma mensagem de esperança as minorias de nossa sociedade atual, formada ainda pelos pobres e subjugados aos grupos dominantes de agora. A palavra pobre em grego, ptochoi, assim traduzida aqui em Mateus, tem a idéia de pobre miserável, de mendigo a mendigar, de pessoa que carece da ajuda dos outros.  
Em Jesus, pode-se ter a mensagem salvífica e libertadora da opressão dos poderosos como verdadeira esperança escatológica. Ainda assim cabe aos seguidores de Jesus a incumbência de levar a salvação através da solidariedade e de obras concretas para acabar com a fome e resgatar a cidadania de pessoas que vivem assim, é dessa forma que o Reino de Deus é implantado, onde houver o pobre e a libertação para ele, ali estará o Reino. Ali haverá salvação. Nesse sentido os pobres podem ser bem aventurados de verdade. Vale dizer que a comunidade de Mateus enxergava-se esperançosamente como os que não seriam mais derrotados ou perseguidos pelos opressores, mas aqueles a quem pertence o Reino.
Reino nos lembra poder, nos lembra política. Política no seu sentido mais puro e filosófico é a busca da felicidade comum. Acredito que os cristãos têm a incumbência de não somente prestar o mero assistencialismo, mas munidos dos recursos da fé, partir para uma ação política efetiva que leve o indivíduo a sair da situação de mero cidadão oprimido a conquistar seu espaço social, fazendo-o entender que sua má situação não se deve apenas a fatores individuais ou sobrenaturais, mas por causa de uma má política de grupos dominantes, que buscam seu próprio bem em detrimento das minorias, dos pobres. É preciso fazer essa classe lutar pelos seus direitos mais básicos. Sugiro que as comunidades saiam de seus guetos eclesiásticos e participem mais ativamente da vida política pelos direitos das minorias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia – Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
Bíblia Sagrada – Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2003.
Bíblia Sagrada - Versão Almeida Revista e Atualizada.
Bíblia Sagrada – Versão Almeida Revista e Corrigida.
GARCIA, Paulo Roberto. As bem-aventuranças em Mateus – Uma proposta de estrutura literária, São Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior – IMS, 1995, 108p.
GARCIA, Paulo Roberto. Sábado: A mensagem de Mateus e a contribuição judaica. São Paulo, Fonte Editorial, 2010, 200p.
Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
OVERMAN, J. Andrew. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo – O mundo social da comunidade de Mateus. São Paulo: Loyola, 1997,171p.


[1] Bíblia – Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
[2] Bíblia Sagrada – Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2003.
[3] Bíblia Sagrada - Versão Almeida Revista e Atualizada.
[4] Bíblia Sagrada – Versão Almeida Revista e Corrigida.
[5] Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
[6] GARCIA, P. R. As bem-aventuranças em Mateus, p.42-43.
[7] GARCIA, Paulo Roberto. Sábado, p.17.
[8] OVERMAN, J. A. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo, p.21.
[9] OVERMAN, J. A. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo, p.25.