sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ensinamentos, pregações e curas de Jesus

Alexandre Luiz de Paula

Sumário


1.      Introdução........................................................................ 3
2.      Texto: (Mateus 4.23-25)................................................. 3
3.      Perícope........................................................................... 3
4.      Comparativo com o Evangelho de Marcos e Lucas...   4
5.      Interpretação do Texto...................................................5
6.      Geografia Bíblica............................................................6
- A divisão da Palestina Judaica....................................7
7.      Conclusão........................................................................8
8.      Referências Bibliográficas.............................................. 9
 
 
1.      Introdução
Nesta análise exegética da perícope de Mateus 4.23-25, pretendo entender a verdadeira intenção do autor, ao descrever uma passagem que mais parece nos mostrar o resumo da atuação de Jesus nas regiões por onde Ele andou, ensinando, pregando e curando enfermos, mas que está “propositalmente” inserido no inicio das narrações mateanas, onde Jesus começa seu ministério na Galiléia, logo após a convocação dos seus primeiros discípulos (4.18-22).
     
2.      Texto: (Mateus 4.23-25)

23 E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o evangelho do Reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo.
24 E a sua fama correu por toda a Síria; e traziam-lhe todos os que padeciam acometidos de várias enfermidades e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos e os paralíticos, e ele os curava.
25 E seguia-o uma grande multidão da Galiléia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judéia e dalém do Jordão. (ARC) [1]

Consultei o texto em 04 versões (NVI, TEB, NT Interlinear e ARC), não descrevi o texto em outra versão, pois não há diferenças significativas.

3.      Perícope
Temos um texto como parte introdutória aos capítulos seguintes (5-9), nos versículos anteriores (4.18-22), Jesus inicia o chamamento dos primeiros discípulos, por isso nossa perícope esta delimitada em 4.23-25.
Exegeticamente, vemos que não basta analisar uma “perícope”, que é um recorte textual, uma unidade delimitável como [...........].O projeto maior que chamamos de evangelho é composto pela costura de perícopes que tiveram origens distintas, e na união das perícopes, o lugar dado a cada uma desempenha um papel para o autor.[2]
Por isso vamos comparar o texto com outras passagens semelhantes e tentar decifrar suas intenções.

4.      Comparativo com o Evangelho de Marcos e Lucas

Não encontramos no evangelho de Marcos este texto no formato redigido por Mateus, um “sumario sintético” [3], encontramos partes do texto como: Jesus ensinando nas sinagogas (Marcos 1.21,39), que também está antes da eleição dos primeiros apóstolos e outra passagem que parece ser mais próxima do nosso texto é Marcos 3.7-10:

    7 E retirou-se Jesus com os seus discípulos para o mar, e seguia-o uma grande multidão da Galiléia, e da Judéia,
8  e de Jerusalém, e da Iduméia, e {dalém} do Jordão, e de perto de Tiro, e de Sidom; uma grande multidão que, ouvindo quão grandes {coisas} fazia, vinha ter com ele.
9 E ele disse aos seus discípulos que lhe tivessem sempre pronto um barquinho junto dele, por causa da multidão, para que o não comprimisse,
 10 porque tinha curado a muitos, de tal maneira que todos quantos tinham {algum} mal {ou flagelo} se arrojavam sobre ele, para lhe tocarem. (ARC)[4]
           
Uma diferença que podemos apontar neste texto de Marcos é a citação das cidades Iduméia, Tiro e Sidom, já no texto de Mateus a cidade citada é a Síria. Provavelmente existiam algumas pessoas desta região no grupo de Mateus, por isso ele muda a citação da região, uma forma de expressar também que o ministério de Jesus se espalhou por todas as regiões, judias (Galiléia, Judéia, Samaria), como também gentílicas (Decápolis, Síria, Peréia que esta descrita no texto como “dalém do Jordão”).
Já no evangelho de Lucas, encontramos uma passagem similar em 6.17-19, e se olharmos de uma forma mais abrangente, os textos de Mateus e Lucas neste ponto tem certas semelhanças, pois a passagem que antecede ambos é a eleição dos apóstolos (Mateus 4.18-22 / Lucas 6.12-16), e a passagem que vem logo após os mesmos é o sermão da montanha, com uma diferença que no evangelho de Lucas existem apenas 4 “Bem Aventuranças”, já em Mateus temos 8.
O que podemos concluir nestas comparações é que, esta é uma mensagem que todos deveriam seguir, logo após serem convocados, deveriam ir todas as regiões, pregando o evangelho do Reino, curando os enfermos e expulsando os demônios, uma missão para todos os que estavam inseridos neste no grupo mateano.

5.       Interpretação do Texto

Mateus 4.23-25 compõe um este sumario sintético antes de referir detalhes dos ensinamentos e curas de Jesus nos capítulos 5-9, ou seja, faz uma síntese de tudo o que ele iria propor nos capítulos seguintes, ele propõem um quadro geral que particulariza depois com exemplos concretos. O versículo 23, quase se repete literalmente em (9.35), Mateus estabelece assim uma clara inclusão dos capítulos (5-9)  [5].
Uma introdução ao ministério de Jesus, mostrando-nos o grande propósito não só do Messias, mas de todos os que foram convocados para serem “seus seguidores”, de pregar o evangelho do Reino, socorrer os mais necessitados, pobres oprimidos, enfermos e a grande maioria endemoninhados, porque a possessão demoníaca era considerada a causa de varias outras aflições como vemos em (9.33; 17.15; Marcos 9.25; Lc 13.10-12,16) [6]
Jesus faz uso pleno de sua oportunidade de ensinar na sinagoga[7], como podemos confirmar também em (13.53-58). Jesus se caracteriza como um Messias itinerante, as sinagogas dos judeus são o palco privilegiado de sua pregação, pois aí se reúnem as pessoas para escutar a leitura da Palavra de Deus, também faz gestos poderosos, curando todo tipo de doença e enfermidade do povo. Jesus se apresenta, neste momento inicial, como o Messias por palavras (cap. 5-7) e por obras (cap. 8-9). Esta expressão acentuada “suas sinagogas”, mostra-nos que a comunidade mateana possuía sua própria sinagoga, e que eles mesmos não comungavam com a mentalidade dos fariseus.[8]
Com a clara intenção de confirmar que Jesus, era o messias tão esperado, Mateus relata a atuação de Jesus e sua fama não só na Galiléia, mas nas cidades onde havia uma minoria de judeus como em Decápolis, Síria e dalém do Jordão. No v. 24 o texto diz que a notícia se espalhou rapidamente, de modo que chegou até a Siria.
É evidente que a palavra “Siria” nesta passagem não pode significar toda a província romana, que até o ano 70 d.C. incluía a Palestina, mas provavelmente a região norte da Galiléia abrangendo Antioquia e Damasco. Muitos judeus haviam se estabelecido nestas cidades do Norte; alguns voluntariamente, outros por movimentos obrigatórios de uma região para a outra. Laços econômicos, sociais e religiosos ligavam os corações dos judeus com seus parentes e amigos na Galiléia e Judéia. Também havia bons caminhos entre as diversas cidades. E vemos que Cafarnaum e Galiléia estavam situadas no caminho que vinha de Damasco. Antioquia e Damasco estavam igualmente conectadas. Existia um caminho costeiro que vinha desde Antioquia, passava por Tiro, Galiléia e Gaza em direção ao Egito.[9]

Jesus é claramente apresentado como o Messias dos desprezados, uma afirmação bem direcionada ao grupo mateano, que provavelmente estavam sendo descriminados por outros grupos de religiosos, pois decidiram serem Judeu-Cristãos Naquele momento eles provavelmente já haviam perdido o acesso à sinagoga local, sofriam preconceito pela adoção de Jesus como Messias e sofriam cada vez mais dificuldades em suas relações profissionais.

6.      Geografia Bíblica[10]

http://www.adotaciliocosta.com.br/imagens/Palestina-tempo-de-Jesus.jpg
No primeiro século, dividida em quatro regiões: Galiléia, Samaria, Judéia e Iduméia, a Palestina era uma província romana subordinada administrativamente ao Legado da Síria, onde ficava o quartel general das tropas de Roma no Oriente Médio.
A Divisão da Palestina Judaica
Galiléia - É a área mais setentrional da Palestina (agora, Estado de Israel) e foi a última a ser incorporada ao Estado Teocrático Judeu. É uma região fértil, composta de vales e pequenos montes, tendo ao norte uma cadeia de montanhas. Antes da ocupação pela Judéia, sua população era constituída por uma miscigenação de várias etnias. A partir de 100 a.E.C., os judeus foram se fixando na região. Os galileus viviam da agricultura e da criação de gado; os que residiam próximo ao Lago Tiberíades (ou Mar de Genezaré) eram, na maioria, pescadores.
Sofreram forte influência do helenismo, visto que muitos gregos migraram para lá e, naquela região, construíram uma autêntica cidade helênica. Os judeus galileus seguiam o Torá, mas não se julgavam subordinados ao Sinédrio, situado na relativamente distante Jerusalém.
Samaria - Situava-se entre a Galiléia e a Judéia; os samaritanos mantinham-se em constante atrito com seus vizinhos. Só seguiam as leis do Pentateuco de Moisés, ignorando os outros livros do Torá, daí serem considerados impuros pelos outros grupos religiosos. A hostilidade entre os samaritanos e os demais judeus palestinos vinha de longe, desde a separação das Tribos de Israel, quando adotaram uma postura de dissidência teológica.
Judéia - Era a região mais importante por ser Jerusalém o centro do poder do Estado Teocrático. Os judeus da Judéia, controlados diretamente pelo Sinédrio, consideravam teologicamente "impuros" os que viviam nas demais regiões da Palestina.
Iduméia - Região mais meridional da Palestina possuía cidades importantes como Hebron e Massada, habitadas pelos judeus que para lá se haviam deslocado a partir da Judéia. Sem serem ortodoxos, seguiam os princípios básicos do Torá
Mais ao sul, havia um vasto deserto onde viviam, em pequenos grupos dispersos, semitas que nunca se deram conta do judaísmo. Eram nômades que só viriam a entender o sentido de religiosidade quando, mais de seiscentos anos depois do primeiro século, foram congregados pelo grande líder e profeta Maomé, passando a fazer parte de uma nação de árabes muçulmanos, seguidores de uma religião regida pelas leis severas do Corão.
Decápolis - É o nome dado na Bíblia e por escritores antigos a uma região na Palestina que se encontra ao leste e ao sul do Mar da Galiléia. Seu nome é dado devido à confederação das dez cidades que dominaram sua extensão, unidas por certos costumes e por certa população. Localizava-se entre a planície de Esdrelon, dirigindo-se para o vale do Jordão, ocupando o leste deste rio. Era formada pelas cidades de Hipos (na margem oriental do mar da Galiléia), Damasco (ao norte), Canata (no extremo leste), Diom, Gadara, Citópolis (no extremo oeste), Pela, Filadélfia e Gerasa (no extremo sul). Nestas cidades havia uma minoria de judeus.[11]

Peréia (dalém do Jordão) - A Peréia ficava a Leste do Mar Morto, subindo pelo Rio Jordão no sentido Norte, na direção de Péla. Assim como na Judéia, seus habitantes eram, em sua maioria, quase puramente judeus, embora também houvesse a presença de gregos em suas terras. A região ficava “além do jordão”, isto é do lado leste desse rio (Jo 3.26). Esse nome não aparece na Biblia.[12]


7.      Conclusão

O autor do Evangelho de Mateus tem um propósito muito bem determinado ao citar esta passagem, ou seja, uma introdução aos “eventos históricos” da vida de Jesus, demonstrar através dos sinais que Jesus é o Messias tão esperado. Segundo Overman:
As citações de cumprimento não são basicamente, um esclarecimento dos “eventos históricos” da vida de Jesus. Essas citações enfatizam a reivindicação da comunidade de Mateus ás mesmas tradições que o judaísmo formativo estava apresentando e reivindicando como suas. Isso, obviamente, levaria á competição e ao conflito. Embora as tradições e as Escrituras de Israel fossem algo que a comunidade de Mateus e o judaísmo formativo tinham em comum, a afirmação de Mateus de que essas tradições e promessas são cumpridas exclusivamente na pessoa e na ação de Jesus de Nazaré.[13]

Uma espécie de esquema “promessa-cumprimento”, uma prova de que eles são o povo de Deus, que segue o agente de Deus, Jesus. Confirmando que a confiança depositada em Jesus pelo grupo mateano não é errada.
Eles deveriam seguir os mesmo exemplos de Jesus, sendo batizados e após serem convocados deveriam fazer da mesma forma, pregar o evangelho do Reino, curando os enfermos, expulsando os demônios em todas as regiões da Galiléia, Samaria e em todas as regiões da Síria, ou seja, até os confins da terra.

Referências Bibliográficas

HENDRIKSEN, William. Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mateo. 2850 Kalamazoo Ave. SE: Libros Desafio, 2003.

KASCHEL, Werner. Dicionário da Bíblia de Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

LIMA, Anderson de Oliveira. A mulher que ungiu Jesus - parte II. São Paulo: http://compartilhandonoblog.blogspot.com, 2010.

LUZ, Ulrich. El evangelio segun San Mateo: Mt 1-7, Vol 1.Salamanca: Editora Sigueme, 1993.

Novo testamento Interlinear: grego-português. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.

OVERMAN, J. Andrew. O evangelho de Mateus e o Judaísmo formativo: O mundo social da comunidade de Mateus. São Paulo: Loyola, 1997.

TOGNINI, Enéas. Geografia da Terra Santa: I volume. São Paulo: Louvores do Coração, 3ª Ed. 1987.

VITÓRIO, Jaldemir. Mateus: A Bíblia passo a passo. São Paulo: Loyola, 1996.



[1] Bíblia Sagrada – Edição Almeida Revista e Corrigida, 1995.
[2] LIMA, A mulher que ungiu Jesus - parte II. http://compartilhandonoblog.blogspot.com.
[3] LUZ, El evangelio segun San Mateo, p.243.
[4] Bíblia Sagrada – Edição Almeida Revista e Corrigida, 1995.
[5] LUZ, El evangelio segun San Mateo, p.241.
[6] HENDRIKSEN, Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mate, p.190.
[7] HENDRIKSEN, Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mate, p.188.
[8] VITÓRIO, Mateus: A Bíblia passo a passo, p.25.
[9] HENDRIKSEN, Comentario Al Nuevo Testamento: Exposición Del Evangelio según San Mate, p.189.
[10] TOGNINI, Geografia da Terra Santa: I volume, p. 181-204.
[11] LUZ, El evangelio segun San Mateo, p.245.
[12] KASCHEL, Dicionário da Bíblia de Almeida, p. 128.
[13] OVERMAN, O evangelho de Mateus e o Judaísmo formativo: O mundo social da comunidade de Mateus, p.83.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Análise exegética de Mateus 5.3,10 – As bem-aventuranças e o Reino dos céus


André Luiz Alves da Silva

1. INTRODUÇÃO
            O presente estudo visa analisar exegeticamente a perícope de Mateus 5.3-10, considerando principalmente os versículos 3 e 10. Para isto desenvolvi o trabalho através da comparação de pelo menos cinco versões brasileiras diferentes da Bíblia. Também fiz um comparativo das bem-aventuranças de Mateus com as do evangelho de Lucas, onde neste há um paralelismo com maldições correspondentes a cada uma das que ele apresenta. Em seguida considerei, através de consulta a obras a respeito do tema, o contexto literário, histórico e sociológico em que Mateus escreveu o seu evangelho. Após as análises passei a interpretação baseada nesses contextos, nos quais sugeri uma possível aplicação de cunho social.
 
2. COMPARAÇÃO DAS TRADUÇÕES
Mateus 5.3
Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus. (TEB)[1]
“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus. (NVI)[2]
Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. (ARA)[3]
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus; (ARC)[4]
Benditos os pobres no espírito, porque deles é o reino dos céus. (NT Interlinear Grego-Português)[5]
Mateus 5.10
Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o reino dos céus. (TEB)
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus. (NVI)
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. (ARA)
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus; (ARC)
Benditos os perseguidos por causa de(a) justiça, porque deles é o reino dos céus. (NT Interlinear Grego-Português)

 A TEB é a única das 4 versões consultadas que utilizou a palavra “feliz”, para a palavra grega “makarioi”, as demais (NVI, ARA e ARC) utilizaram a expressão mais bem conhecida por nós: “bem aventurados”. No Novo testamento interlinear grego português a expressão é traduzida por “Benditos”.
No v.3 a TEB, a NVI e ARC traduziu a palavra grega por “pobres”. Na ARA é a expressão é “humildes”.
A TEB traduz a expressão grega “de coração”, a NVI por “em espírito” e ARC e ARA traduz “de espírito”.
Em todas as bem-aventuranças, a TEB mantém uma estrutura com “:” (dois pontos), excluindo uma palavra do grego, após falar do sujeito bem aventurado, em seguida ao “:” é descrita a bem-aventurança que  está atribuída ao sujeito. As demais versões consultadas utilizaram as preposições “pois” (NVI) e “porque” (ARA e ARC), indicando a justificativa da afirmação do sujeito que é bem aventurado.

3. PERÍCOPE
O texto das bem-aventuranças é do versículo 3 ao 12, este último encerra com uma exortação à alegria em razão de uma recompensa nos céus e a lembrança dos profetas perseguidos no passado. Os versículos 11 e 12 são da mesma perícope, mas estão fora do quiasmo, portanto podem ser estudados separadamente, isto pode ser observado analisando a estrutura semelhante com que se apresentam as bem-aventuranças: primeiro temos o tipo de sujeito bem aventurado e, segundo descreve o tipo da bem-aventurança. Embora o versículo 11 apresente uma bem-aventurança, sua estrutura é diferente dos vv. 3-9.
Os versículos 3 e 10 de Mt 5 formam uma espécie de moldura da perícope, pois ambos terminam com a expressão “Reino dos céus”. Temos aqui então o quiasmo proposto por Paulo Garcia[6].  
Mateus muda propositalmente a estrutura das bem-aventuranças colocando um quiasmo porque é uma estrutura literária de um escriba judeu. 

4. COMPARATIVO COM LUCAS
Em Lc.6.20-23, Lucas também apresenta as bem-aventuranças. No entanto enquanto em Mateus temos oito bem-aventuranças, sem contar a que está fora da perícope de 3-10, Lucas apresenta apenas quatro, mas apresenta a antítese, que são os “ais” traduzidos na TEB com o antônimo de feliz “infeliz” dos vv.24-26. Fazendo assim uma correspondência de “ais” para cada uma das bem-aventuranças. Vamos nos concentrar apenas no texto principal de nossa análise. Veja a comparação abaixo utilizando a TEB:
Mt.5.3
            “Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.”
            Lc.6.20
            “Felizes, vós, os pobres, o Reino de Deus é vosso.”
            Veja o “ai” correspondente em Lc.6.25:
            “Infelizes, vós os, os ricos: já tendes a vossa consolação.”

5. MACRO ESTRUTURA LITERÁRIA
Mateus apresenta cinco sermões. O texto de nosso estudo faz parte do primeiro discurso. Há muita semelhança e paralelismo com o Pentateuco. Até no número de discursos é semelhante ao número dos livros de Moisés.
            O primeiro discurso inicia-se com muita semelhança ao livro de Êxodo. Seu conteúdo são as instruções para os seguidores de Jesus, no caso a comunidade de Mateus. O discurso é feito a partir do monte, segundo o Evangelho de Mateus “Jesus subiu ao monte”. Há nisto um forte paralelo com o local onde a lei foi dada para os judeus. É neste discurso que Jesus reinterpreta a Lei.  As bem-aventuranças são as bênçãos dadas aos da comunidade de Mateus que mantém as virtudes nela descritas, é aqui também que a singularidade da comunidade é defendida através das figuras “sal da terra” e “luz do mundo”, semelhantemente ao Pentateuco, onde os judeus se identificam como “o povo de propriedade exclusiva de Deus” ou no pai Abraão onde nele seriam abençoadas todas as famílias da terra. Para mostrar que Jesus tem tanta autoridade como Moisés, o primeiro discurso é finalizado com a maneira como Jesus ensinou, como de quem tem autoridade. É muito comum a utilização que Mateus faz do Antigo Testamento no seu evangelho, especialmente para demonstrar em Jesus o cumprimento de profecias. Isso confirma a idéia da comunidade para a qual Mateus escreveu ser uma comunidade de fé judaica, sendo esta baseada no messias Jesus.

6. CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL
             O evangelho de Mateus deve ser lido não como fruto da ruptura entre o cristianismo e o judaísmo.[7] O cristianismo na comunidade de Mateus deve ser entendido a partir da perspectiva social do chamado judaísmo formativo que vai de 165 a.C. a 100 d.C. Este período é caracterizado por muitos estudiosos como um período de natureza sectária.[8] A seita, que deve ser entendida aqui nesse contexto por “grupo”, é uma minoria que por sentir-se alienada por causa do grupo que lidera, grupo dominante, opõe-se a este. Por isso o grupo não dominante entende-se como os que possuem a verdade e que um dia será vingado por Deus. Nesse sentido, o cristianismo na comunidade de Mateus é uma nova vertente do judaísmo.
            Cada uma dessas comunidades sente-se como os justos de Deus. Os fariseus, os saduceus e os essênios são três das comunidades existentes daquela época e que alternadamente fizeram parte do grupo dominante. Normalmente aliados dos governantes, por isso gozando de certa influência política e social.
Flavio Josefo nos conta sobre os fariseus como alcançaram poder e influência política sob o governo da mulher de Alexandre Janeu, Alexandra: “Ela permitiu que os fariseus fizessem tudo; e também ordenou que o povo lhes obedecesse. Restaurou as práticas que os fariseus haviam introduzido, de acordo com as tradições dos antepassados.”  O grupo que aderia ao governo estava a serviço da classe dominante e servia ao governo como educadores, funcionários religiosos e administradores. Faziam parte da folha de pagamento do governante e desfrutavam de seus favores. [9]
Na época de Mateus , na verdade, a classe sacerdotal é quem fluía do apoio do governo até 70 d.C. Os publicanos serão os próximos clientes. No entanto, Mateus é o grupo marginalizado e é por isso que no evangelho de Mateus encontramos diversas vezes Jesus opondo-se aos fariseus. Mateus faz questão de enfatizar a sua comunidade como justa e como povo de Deus, em contraposição a dos fariseus. No contexto do judaísmo formativo, o cristianismo em Mateus deve ser visto como uma dessas minorias que sente-se perseguida pelo grupo dominante. São eles que são os injustiçados, os pobres, os humildes, os que choram, os que são perseguidos, os que agem em prol da paz. Daí o porque Mateus escreve as bem-aventuranças, porque entende sua comunidade como o povo do Reino de Deus que há de vingar, que não mais será subjugada pelos fariseus, eles é que são os “benditos” de Deus, outra palavra possível para makarioi, usada para designar pessoas que possuíam atributos que poderiam ser creditados aos deuses, ou seja os abençoados, os que tem a aprovação de Deus e que serão aceitos por ele. Ele inverte o sentido de “bendito”, pois no Reino são os fracos é que são honrados

7. ESTUDO DA FORMA
A seguir faço uma correspondência entre os dois textos que justificam o porque de considerá-los no presente trabalho e que por sinal justificam o quiasmo. Farei isso através do paralelismo.
Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.(v.3)
Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o reino dos céus. (v.10)
Concluímos pelo paralelismo que a perseguição é que levou a comunidade de Mateus a ser pobre.

8. INTERPRETAÇÃO
            “Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.”
            Mateus fala aqui de sua comunidade. Colocando as palavras de Jesus para o seu contexto social, dentro da perspectiva social do judaísmo formativo. Sua comunidade não é formada pelos ricos fariseus que estão na folha de pagamento do governo. Por isso, eles que hoje são pobres é que na verdade são os que farão parte do verdadeiro governo, o Reino dos céus. O complemento “de espírito” ou “de coração” que não está presente no texto de Lucas, é termo de controvérsia entre estudiosos. Paulo Garcia propõe que pelo fato da comunidade ter optado por viver “em espírito” é que levou a comunidade a ser pobre.
              “Felizes os perseguidos por causa da justiça: deles é o Reino dos céus.”
            A palavra justo dentro do contexto social do judaísmo formativo indica a maneira pela qual as várias comunidades de fé se enxergavam. Sendo assim esta bem-aventurança refere-se a comunidade de Mateus e como ela deve-se entender dentro do contexto sectário em que vivia, o grupo dominante a persegue, os membros não são mais considerados judeus legítimos porque não freqüentam mais a sinagoga. Entretanto para Jesus, nas palavras de Mateus, ela é “bem aventurada” por causa de sua justiça, então o reino dos céus pertence a ela, é o reino do verdadeiro governo, que é o de Deus e não dos homens, não do grupo dominante.

9. CONCLUSÃO
            Fica evidente pela macro-estrutura literária de Mateus e o contexto social de sua comunidade dentro do judaísmo formativo que as bem-aventuranças antes de ser uma mensagem a cada um dos cristãos, referem-se principalmente a essa comunidade de fé de Mateus. Portanto, uma espiritualização do texto de forma a trazer aplicações individuais a cada cristão, pode forçar o texto a dizer algo que o autor não quis dizer.
No entanto, é possível entendermos de que forma as bem-aventuranças e o Reino dos céus pode ser uma mensagem de esperança as minorias de nossa sociedade atual, formada ainda pelos pobres e subjugados aos grupos dominantes de agora. A palavra pobre em grego, ptochoi, assim traduzida aqui em Mateus, tem a idéia de pobre miserável, de mendigo a mendigar, de pessoa que carece da ajuda dos outros.  
Em Jesus, pode-se ter a mensagem salvífica e libertadora da opressão dos poderosos como verdadeira esperança escatológica. Ainda assim cabe aos seguidores de Jesus a incumbência de levar a salvação através da solidariedade e de obras concretas para acabar com a fome e resgatar a cidadania de pessoas que vivem assim, é dessa forma que o Reino de Deus é implantado, onde houver o pobre e a libertação para ele, ali estará o Reino. Ali haverá salvação. Nesse sentido os pobres podem ser bem aventurados de verdade. Vale dizer que a comunidade de Mateus enxergava-se esperançosamente como os que não seriam mais derrotados ou perseguidos pelos opressores, mas aqueles a quem pertence o Reino.
Reino nos lembra poder, nos lembra política. Política no seu sentido mais puro e filosófico é a busca da felicidade comum. Acredito que os cristãos têm a incumbência de não somente prestar o mero assistencialismo, mas munidos dos recursos da fé, partir para uma ação política efetiva que leve o indivíduo a sair da situação de mero cidadão oprimido a conquistar seu espaço social, fazendo-o entender que sua má situação não se deve apenas a fatores individuais ou sobrenaturais, mas por causa de uma má política de grupos dominantes, que buscam seu próprio bem em detrimento das minorias, dos pobres. É preciso fazer essa classe lutar pelos seus direitos mais básicos. Sugiro que as comunidades saiam de seus guetos eclesiásticos e participem mais ativamente da vida política pelos direitos das minorias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia – Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
Bíblia Sagrada – Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2003.
Bíblia Sagrada - Versão Almeida Revista e Atualizada.
Bíblia Sagrada – Versão Almeida Revista e Corrigida.
GARCIA, Paulo Roberto. As bem-aventuranças em Mateus – Uma proposta de estrutura literária, São Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior – IMS, 1995, 108p.
GARCIA, Paulo Roberto. Sábado: A mensagem de Mateus e a contribuição judaica. São Paulo, Fonte Editorial, 2010, 200p.
Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
OVERMAN, J. Andrew. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo – O mundo social da comunidade de Mateus. São Paulo: Loyola, 1997,171p.


[1] Bíblia – Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
[2] Bíblia Sagrada – Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2003.
[3] Bíblia Sagrada - Versão Almeida Revista e Atualizada.
[4] Bíblia Sagrada – Versão Almeida Revista e Corrigida.
[5] Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
[6] GARCIA, P. R. As bem-aventuranças em Mateus, p.42-43.
[7] GARCIA, Paulo Roberto. Sábado, p.17.
[8] OVERMAN, J. A. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo, p.21.
[9] OVERMAN, J. A. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo, p.25.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

REDESCOBRIR - QUEM SOMOS E QUAL A VERDADEIRA JUSTIÇA NA FACE DE DEUS

Paulo Sanda (Aluno do ICEC)
Resumo
Neste trabalho, faremos o estudo exegético do nascimento de Jesus em Mt 1.18-25. Verificando através da tradição desta comunidade questões relativas ao nascimento virginal de Jesus e a justiça de Deus, para uma comunidade de judeus cristãos.
Palavras chaves: Justo, judeu cristão e Nascimento Virginal.
O Nascimento de Jesus Cristo (Mt 1. 18-25)[1]
18Eis qual a origem de Jesus Cristo. Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José.
Ora antes de terem coabitado, achou-se grávida por obra do Espírito Santo.
19José, seu esposo, que era um home justo e não queria difamá-la publicamente, resolveu
repudiá-la secretamente.
20Tal era o projeto que concebera, mas eis que o Anjo do Senhor lhe apareceu em sonho e disse: “José filho de Davi, não temas receber Maria tua esposa: o que foi gerado nela provém do Espírito Santo, 21e ela dará a luz a um filho a quem porás o nome de Jesus, pois é ele que salvará o seu povo dos seus pecados. 22Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor dissera pelo profeta. 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, ao qual darão o nome de Emanuel, o que se traduz: Deus conosco. 24Ao despertar, José fez o que o Anjo do Senhor lhe prescrevera: acolheu em sua casa a sua esposa, 25mas não a conheceu até quando ela deu a luz um filho, ao qual ele deu o nome de Jesus.
Momento da tradição
Antes de iniciar nosso estudo exegético, é importante lembrar que o grupo de Mateus era uma comunidade de judeus cristãos[2]. Esta informação deverá nortear nossos esforços, para compreender as razões que moveram os letrados de Mateus fazer esta descrição do nascimento de Jesus.
Estudo exegético          
No v.18 verificamos que Maria estava prometida a José neste ponto verificamos que José e Maria eram esponsais, e este compromisso, era muito mais sério que o atual noivado, os noivos juravam fidelidade perante testemunhas, era o mesmo que o matrimonio em si, por este motivo veremos adiante José sendo chamado de esposo de Maria[3].
           
Esclarecido que José e Maria já estavam casados o autor conta que por obra do Espírito Santo ela fica grávida antes do casal ter tenham relações.
O fato de Maria ficar grávida antes do final do período de esponsais, ou seja, antes de coabitar com seu esposo a torna adúltera, passível de pena de morte (Lv 20.10b certamente morrerá o adultero e a adultera.[4]). Todavia esta lei já havia sido modificada e não havia mais este receio[5]. Mas com certeza ela seria vitima das más línguas, difamada e desonrada por todos.
Em uma sociedade onde a mulher era propriedade do marido[6], José poderia ou até deveria repudiar sua mulher, pela quebra dos votos.
Mas no v.19 o autor conta que José é um homem justo e não queria expô-la publicamente, por isto decide dar-lhe a carta de divorcio e dispensá-la secretamente.
Neste ponto verificamos um importante conflito. José queria levar Maria para sua casa e viver com ela, mas por ser justo não podia, pois ela havia rompido com seu juramento de fidelidade, e por isto ele tinha que dispensá-la, mas resolveu fazer isto em segredo, pois a amava? Ou iria dispensá-la por sua traição, mas por ser misericordioso resolveu fazê-lo de forma privada?
Para entender este ponto, temos que fazer um exercício, para entender o que este evangelho entende por justo. Para tanto vamos verificar nele outras ocorrências desta palavra.
Mt 5.45b pois ele faz nascer o seu sol sobre os maus e os bons, e cair a chuva sobre os justos e os injustos.

Bons

Maus

Justos

Injustos
 Nota-se neste versículo o paralelismo sinonímico do quadro acima.

Mt 13.43 Então os justos resplandecerão como o sol, no Reino do seu Pai.
           
Mt 13. 48-50 Quando está cheia, puxam-na para a praia, depois, sentados,  juntam em cestos o que é bom e jogam fora o que não presta. Assim acontecerá  no fim do mundo: os anjos sobrevirão e separarão os maus dentre os justos e os lançarão na fornalha de fogo;

Jogam fora o que não presta
Juntam e cestos o que é bom
separarão os maus dentre os
Justos

Lançarão na fornalha de fogo
 
           
Existem outras ocorrências da palavra justo no evangelho de Mateus, mas estes exemplo já nos ilustram que para este grupo, os justos são bons, e dos justos é o Reino de Deus. Contudo acredito que ainda temos que esgotar este assunto.
O que é ser bom?
           
Se José desejava ficar com Maria, ou se não apenas quis deixá-la ao saber de sua traição, não importa em qual destas opções estão os sentimentos de José, ele optou por fazê-lo em segredo, e não instaurando um processo de divórcio, para não expor sua esposa ao repúdio da comunidade. Assim sua decisão é sempre baseada no amor. A justiça em Mateus tem por base o amor.
           
No v.20 José já havia tomado sua decisão, neste ponto entra um anjo do Senhor, o anjo diz “José filho de Davi”, pois a genealogia anterior era a de José, assim em Mateus, José é quem passa legalmente a descendência davídica a Jesus.
           
Interessante notar aqui que mesmo na tradição de Lucas, a genealogia é a de José.
           
A seguir, o anjo diz para José não temer em receber Maria como sua esposa. O que ele temia? Ele queria Maria, mas não se atrevia a fazê-lo?
Neste caso não havia mais problema, ela não havia lhe sido infiel[7].
           
Nas profecias não se encontram narrativas do nascimento virginal do messias, isto deve ter sido emprestado de fontes pagãs1 . Is 7.14 se refere a um sinal que Deus dará como um sinal que os reis da Síria e Israel não prevalecerão naquela guerra contra o reino de Acaz em Judá. Esta mesma profecia em Isaias traz controvérsias, pois há quem afirme que a palavra usada
seria mulher jovem e não virgem[8]. Ulrich Luz diz que o nascimento virginal de Jesus prepara o leitor para crer que Jesus é o filho de Deus, abrindo caminho para todo o tema cristológico que será desenvolvido[9].
           
Ainda na questão da concepção virginal, conforme vimos, o tema pode ter vindo de fontes pagãs, contudo o próprio Willian Hendriksen continua sua analise.
           
Os mitos da época, em relação à concepção por intervenção divina eram carregados de indecência, com deuses estuprando mulheres ou as seduzindo para um ato sexual. Assim não podemos comparar estes exemplos com a delicadeza da situação de Maria, que “achou se grávida por obra do Espírito de Deus”.  Desta forma não há como buscar nestes exemplos fontes para os relatos em Mateus e Lucas.
           
Diante desta afirmação, qual a origem destes relatos? Só nos resta afirmar que se trata de uma informação verdadeira. E procurando em todo novo testamento, não encontramos contradições a este respeito.
           
O nascimento virginal de Jesus tem importância doutrinária, uma vez que o Cristo sobrenatural, e a salvação sobrenatural trazem consigo inevitavelmente o nascimento sobrenatural. Pois como poderia o Jesus filho de José e Maria, participante da culpa de Adão, sem capacidade de salvar a si mesmo, salvar a outros do pecado?[10]
           
A seguir temos a questão do Emanuel, este nunca foi o nome de Jesus nem mesmo nenhum título que houvesse recebido. Mas este termo, que quer dizer “Deus conosco” traz um vínculo com o último versículo do evangelho “eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos tempos”. Este afirmação marca o tema fundamental que Jesus glorificado está com a comunidade mateana[11].
           
Por fim no v.24 este evangelho afirma a retidão de José que em obediência ao que lhe foi dito, leva Maria para sua casa, e em submissão a Is. 7.14 “eis que a virgem dará a luz”, não manteve relações sexuais com sua esposa até o nascimento do menino. Ainda em obediência ao revelado pelo anjo do Senhor, José chama o menino de Jesus, o que faz em concordância com Maria (Lc 1.31).
           
Conclusão e contextualização hermenêutica.     
A partir da revolução industrial, as pessoas deixaram de ser simplesmente humanos, somos apenas aquilo que representamos. Hoje ainda mais somos simplesmente funcionais, e funcionais não no sentido mais íntimo e verdadeiro de nossas vidas, mas somente naquilo que colabora para servir ao ciclo produtivo econômico. Rotulados como médicos, advogados, empresários, garis, lixeiros, etc. Estas são nossas ocupações.
Uma mulher não pode ser mãe, se não trabalha então ela é “do lar”, ou “prendas domésticas”. Um homem não pode ser pai ou marido, na falta de ocupação profissional, pode ser “desempregado”, “inválido”, “aposentado” ou pior ainda “vadio”, “desocupado” ou “vagabundo” mesmo. Pode parecer irrelevante mas ao olharmos os valores que preenchem nossa sociedade consumista, onde busca-se com cada vez mais avidez conquistar mais e mais, contrapomos isto com a mensagem de uma comunidade que, inicia o relato do nascimento do messias, afirmando que Maria a mãe de Jesus estava prometida para José, José seu marido. Não fala de José o carpinteiro, mas de José marido de Maria. José filho de Davi, não porque ele tivesse um reino ou um palácio por ser descendente do rei, mas porque ele pode assim passar esta origem genealógica a Jesus. Assim é apresentando aquele que criou o messias,
aquele que entre os homens assumiu em amor e obediência, a paternidade de Jesus.
           
A sociedade que nos rotula, pela contribuição para a atividade econômica, e nos mede pela capacidade de consumo, também exige justiça, mas uma justiça que não passa de vingança. Nossa justiça não restitui nada a ninguém, mas apenas pune. Ao passo que a justiça de Deus apresentada pelo texto estudado, nos mostra que ela deve ter como alicerce o amor, o amor que fez com que José o marido de Maria, sacrificasse sua própria imagem frente à sociedade, para poupar a de sua esposa, que aceitou como filho aquele que não gerou, lhe desse um nome.
Contra todo o legalismo judaico, estes judeus cristãos pregavam que o amor é superior a lei. Eles não rejeitam a lei, mas rejeitam o resultado dela caso este não seja o amor.
           
           
Bibliografia.
Bíblia Tradução Ecumênica. São
Paulo; Loyola
VAUX R. de. Instituições
de Israel.São Paulo
;Vida Nova, 2004
ULRICH, LUZ. El Evangelio
Segun San Mateo.
Salamanca; Ediciones  Siguem, 1993.
HENDRIKSEN,
Willian.
El Evangelio Según Mateo. Kalamazoo; Libros Desafio,
2007.



[1] 
Bíblia Tradução Ecumênica Brasileira, p.1856-1857.
[2]
LUZ, Ulrich. El envangelio segun San Mateus (p.79).
[3]
HENDRIKSEN, Willian, p.104.
[4]
Bíblia Almeida Revista Corrigida fiel – http://www.bibliaonline.com.br
[5]
HENDRIKSEN, Willian, p.105.
[6]
VAUX R. de. Instituições de Israel
[7]
HENDRIKSEN, Willian, p.105.
[8]
LUZ, Ulrich. El envangelio segun San Mateus (p.138).
[9]
LUZ, Ulrich. El envangelio segun San Mateus (p.137).
[10]
HENDRIKSEN, Willian, p.114
[11] LUZ, Ulrich. El envangelio segun San Mateus (p.138).